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JOÃO JUSTINO

 

Já estava de saída, quando percebi lá no cantinho da sala uma viola encostada, parecendo sufocada, querendo uma história contar.

Parecia aperreada por sentir-se tão sozinha, sem ter no corpo o abraço e, as cordas, sem o carinho de quem só cantava o amor.

Por não ouvir a canção, de belas rimas doridas e a voz quase gemida, do peito do cantador.

Cheguei mais perto um pouquinho, abaixei-me e vi escrito o nome do João Justino, caboclo que conheci.

Foi batizado João Eloy Justino de Melo, nascido ali mesmo no Sítio São Vicente, na divisa de Porto Ferreira com Santa Rita do Passa Quatro.

Veio ao mundo em 1º de dezembro de 1896, filho de Manoel Justino de Melo e Edwiges Ferreira do Carmo.

Foi registrado no Cartório de Santa Rita seis dias depois.

Ele mesmo me contou toda a história.


Falava manso, já meio ofegante, mas com muita lucidez.

Um dia seu pai mandou que juntassem as traias e colocassem tudo no velho carroção que já esperava em frente à porta da tulha, que há muito, não sabia o que era fartura.

Logo, a pequena família já pegava estrada, levando o pouco que possuia, que já era bem menos que a saudade que no peito começava a apertar.

Um calorão danado, muita poeira e o sacolejar da condução, que riscava o caminho mal cuidado, com curvas de todo lado feito cobra sucurí.

Ao escurecer, a família Melo estava chegando ao sitiozinho de Descalvado, que fazia divisa com a fazenda Batalha.

Ali, o casal e os filhos João Justino, Ana e Justina trabalharam de sol a sol, por vinte e quatro anos, mas a "marvada" saudade apertava cada vez mais.

Em setembro de 1921 "seo" Manoel, esposa e filhos resolveram voltar à terra de origem.

Os irmãos Calixto, novos donos do Sítio São Vicente já tinham as melhores informações da família que estava retornando.

Reiniciava-se, uma nova luta, mas a sorte foi por demais caprichosa com João Justino.

De repente, perde os pais e as irmãs.

Ficou sozinho nesse mundo de Deus.

Juntou o pouco que tinha, enrolou um pano na viola, e partiu sem olhar prá trás.

Chegou a Porto Ferreira, onde ficou pra morar.

Pediu trabalho na Chácara de Étore Mutinelli, lá no outro lado do Rio Mogi Guaçu, onde ganhou também um lugarzinho só seu.

Tendo um pouco de prática em panificação, depois de algum tempo começou a trabalhar com dona Rosa Pereira, mãe do saudoso João Padeiro. A padaria ficava na Avenida 24 de Outubro, pegada à residência de Carlindo Valeriani.

Em 1931 foi cortador de cana na Fazenda Córrego Rico e, em 1941, cuidava das galinhas e dos porcos no Sítio do Antonio Botaro, no município de Descalvado.

Quando sentia saudades, voltava à nossa terra. E voltava sempre.

João Justino falava com certa ponta de orgulho, que era amigo do Sebastião Virgílio, Pedro Fares, Pedro de Carvalho, Étore Mutineli, Ribas, Sebastião Rocha, Zizico Vilela e de outros, que não me lembro.

Conheci o João, quando eu era ainda criança e o achava semelhante a Santos Dumont, por usar chapéu de copa alta e aba caída.

Era ele ainda chegado num par de polainas e cinta larga tipo guaiaca.

Com o passar do tempo, João Justino resolveu trabalhar por conta própria e por isso passou a usar nos pulsos diversos relógios que vendia ou trocava, dependendo da volta.

Percorria, a pé, sítios e fazendas, levando perfumes, isqueiros, canivetes e outras miudezas que lhe rendiam alguns trocados.

Era muito querido e de honestidade à toda prova.

Saía para o trabalho, logo de manhãzinha, e à boca da noite, pernoitava onde estivesse.

Quantas vezes dormiu em capelas de beira de estrada encolhido entre imagens, quadros e tocos de vela.

Tinha sempre a viola por companheira.

Certo dia adoeceu e foi imediatamente internado no Hospital Dona Balbina. Restabelecido, continuou no hospital, onde prestava alguns servicinhos em troca de comida, cama e roupa lavada.

Ali recebeu também muito carinho, "coisa que nenhum dinheiro paga", ele me disse certa vez.

Provedor, irmãs de caridade, médicos e enfermeiras, todos tinham muita paciência com ele. Viveu até os últimos dias, cercado de muito amor.

Era cristão, católico fervoroso... Nunca acreditou em assombração, lobisomem ou alma penada.

Por isso viveu e morreu em paz.

João Eloy Justino nos deixou em 23 de dezembro de 1983, aos 85 anos.

Essa é toda a história, que eu ando até cismado que a­quele dia no museu, a viola, num desabafo, 'tava querendo contar...

História que eu já sabia...

O João me contou um dia e nunca vou esquecer.

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