Não sei se a amargura infinita de sentir um vazio dentro da alma, o convite da tarde que parecia linda ao se desmaiar lentamente nos braços da noite, ou a saudade que se apoderava de mim.
Sentei, naquele banco da praça, então vazia, e parecia desfilar à minha frente o ontem com figuras tão queridas. Pixinxa foi uma das mais interessantes que conheci.
Seu nome era José Guzzi. Nasceu na baixa Calabria Itália, por volta de 1873, filho de Constantina e Gregório Guzzi. Era viúvo de Henriqueta Sacomani e deve ter vindo direto da Itália para Santa Cruz das Palmeiras, onde nasceram seus quatro filhos: Guerino, Vitorina, Gregório e outra filha, cujo nome não sabemos.
Conhecemos Pixinxa por volta de 1945, quando veio para nossa cidade morar com a filha Vitorina, esposa de Antonio Ramos (Totó Ramos), na rua Cel. João Procópio, 350, onde é hoje a "Tereza" Boutique.
Totó e Vitorina eram os pais de nossos amigos de infância Luizinho e Antonio Rubens. Antonio Rubens herdou o apelido do avô. No pequeno quintal de sua casa, brincávamos de "sombra do terror", "o caveira" e outros heróis e anti-heróis do cinema da época.
Pixinxa levantava-se bem cedo, corria a cidade fazendo compras para a filha e o resto do dia reservava para bater papo com os amigos do ponto de táxi que ficava ao lado do jardim, em frente ao Banco do Brasil.
Era rechonchudinho, de pequena estatura, pouca barba, malares salientes que pareciam esticar mais ainda a pele, tornando as maçãs do rosto, redondinho, mais brilhantes. Nariz pequeno, de ponta arrebitada, formando quase uma bolinha. Usava sempre chapéu de feltro de abas deformadas e sapatão folgado, bico meio levantado para os pés bem à vontade. Caminhava firme sem apoio no bordão que mais servia para espantar os amigos, sempre a querer pregar-lhe uma peça.
Pixinxa era para nós figurinha folclórica,sarrista inveterado, gostava de brincar feito menino, mas se alguém que não fosse conhecido o chamasse pelo apelido, a mãe do cara deixava de ser santa e ia logo pro brejo.
Falava sorrindo, sem nunca ter rancor. Vivia brincando. Quando passava e já por prevenção não mexiam com ele, logo rompia o silêncio, gritando: "Não me conhece mais, rabudo? Cão rabioso", e outros adjetivos que ele inventava, provocando gargalhadas de que ele também participava.
A cada um dava um apelido, de acordo com o que imaginava. Nelinho Fregonezi era "Melado", José Godoy "Algodão Puto" e outros apelidos engraçados de que não lembro.
Não era fumante mas gostava de mascar tabaco e conservava o sotaque de origem, comendo sempre um "r" quando se devia pronunciar dois.
Tardinha lá estava ele na vendinha do Bastião, onde é hoje a Sorveteria Milker. Sempre ali pagavam-lhe um vinho que ele dizia ser o sangue de Cristo. Quando não mexiam com ele, soltava alguns gemidos e caía em gostosa gargalhada.
Assim que o Dudu Carandina inaugurou seu bar, Pixinxa passou a frequentá-lo. Dudu sempre lhe dava vinho. Ele bebia, fazia cara de satisfação e, colocando o copo vazio no balcão, dizia que o dono do bar não prestava mas o vinho era bom.
Era aquela farra quando ele chegava. Todos o queriam bem. O Dudu e seu primo Jô passavam manteiga na sua bengala e lá ia o Pixinxa escorregando e falando palavrão.
As vezes ia à delegacia, que ficava onde é hoje o Museu. Ao primeiro policial que encontrava, fazia queixa do Dudu. Quando voltava ao bar, Dudu se escondia e, por brincadeira, diziam que ele estava preso. O Pixinxa voltava à delegacia e pedia para soltá-lo. Os policiais conheciam a brincadeira e prometiam cumprir as ordens.
Afinal, se o Dudu ficasse preso, quem ia dar-lhe o vinho? A história se repetia sempre e ele nunca deixou de ir ao bar. Ali estavam seus amigos que sempre o tratavam com carinho. Brincavam sem perder o respeito com o gozador que parecia sempre viver na infância.
Aos 93 anos de idade Pixinxa foi internado no Hospital Dona Balbina. Parece que a praça se tornou vazia, ninguém mais sorria e um lugar no banco ficou guardado, esperando sua volta.
Ele nunca mais voltou...
Faleceu dia 1º de outubro de 1966. Sepultado no dia seguinte. Enorme fila de carros de praça,veículos particulares e um mundo de amigos acompanharam o féretro.
Era a comovente homenagem dos amigos ao Pixinxa que, sorrindo, passou por aqui.
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