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TIRO CERTO

 

Espalhadas sobre a mesa, tenho diante de mim três fotografias, e no verso de uma delas vê-se uma data: 1/10/1939, ve­lhas fotografias que documentam a caça à última onça que apareceu por aqui. Em duas destas fotos está o grupo de caçadores que era formado por parentes, amigos inseparáveis, e companheiros de aventuras. Eram eles: Benedito Leonel, Joaquim Lourenço Bezerra, Eufrozino Estêvão, Eleotério Bezerra, Lourenço Bezerra e José Lourenço Bezerra, meu pai. Sustentam no ombro uma grossa vara vergada pelo peso da onça.

Eram hábeis caçadores e conhecedores do assunto, mas a reputação deles, fez-se mais graças à habilidade em caçarem veados; no que diz respeito à onça, pelo que sei, mataram-na pelo perigo que ela representava às famílias daquele lugar.

Tudo começou quando Eufrozino Estevão encontrou presos na cerca de sua propriedade uns pelos que não chamariam tanto sua atenção, se não fossem os rastros que eram muito grandes para pertencerem ao gato do mato ou à jaguatirica. Chamou o Dr. Adolfo Melchet, que confirmou o que ele temia: era onça, e das grandes.


Eufrozino Estêvão chamou os companheiros para estudarem uma estratégia para caçar a fera. O grupo ficou naturalmente com medo, mas tinham de fazê-lo, porque, segundo meu pai, quando um animal desses começa a rondar lugares habitados, torna perigosa a passagem de seres humanos e animais domésticos. Uma onça merece respeito, pois é de ilimitada intrepidez e não ataca o homem se não provou da carne humana. Teria de ser morta antes que isso acontecesse.

O aliado mais seguro do caçador é o vento; portanto deveriam ficar atentos ao fato de que quando o caçador está procurando o rastro da onça, o mais provável é que ela ande também na pista do caçador. E esse desafio, devido à proteção que a cor da pele dá à onça, e a sua aptidão para caminhar silenciosamente, seria o mais desigual para os caçadores se eles não fossem favorecidos pelo vento. Precisavam então de boas armas, muita munição e cachorros onceiros.

Providenciaram tudo, só que os cachorros seriam os veadeiros, porque era o que tinham no momento. Eufrozino Estêvão precisava de uma arma melhor, por isso pediu ao seu vizinho, Eugênio Cláudio, que lhe emprestasse sua espingarda. Era uma "Laport" de 2 canos, calibre 24.

A espingarda já estava municiada com um cartucho normal e o outro com esferas de aço. Em tom de brincadeira, Eugênio Cláudio pediu para que Eufrozino atirasse no olho da onça, para não estragar o couro.

Tudo pronto, saíram no encalço da onça, seguindo os seus rastros a partir do sítio de Eufrozino Estêvão, até chegarem num capão de mato, no meio da roça de Sebastião Leonel.

Pelo acuar apavorado dos cães, a onça estava dentro daquele mato. Contava Eufrozino Estevão que, enquanto estava num lugar estratégico, atrás de uma árvore e pensando na estória que a onça "vem na fumaça", o mato se abriu e ela apareceu. Não esperou muito e quando ela se virou para andar uma patada num cachorro, ele atirou. Um tiro tão certeiro, que ela nem se mexeu, deitou ali mesmo.

A esfera acertou o globo ocular esquerdo, atravessando a clavícula e se alojou na espinha, não atravessando o corpo. Portanto, não lhe estragou a pele. Isto tudo aconteceu no sítio de Sebastião Leonel, em Porto Ferreira, vizinho do sítio do Dr. Moacir de Abreu, que fica no município de Pirassununga.

Depois da onça morta todos vieram chegando, inclusive o gerente do Banco do Brasil em São Paulo, que estava hospedado no rancho do Dr. Moacir de Abreu, que tirou essas fotos que documentar tudo. O animal era macho, da espécie Pantera Onça, nome popular, Ganguçu. Media 1,68 mt. do focinho à ponta da cauda e pesava 90 kg. A revista "Vida Doméstica", em sua edição de Dezembro de 1939, noticiou o fato e publicou uma foto do animal abatido.

Hoje, cinqüenta e sete anos passados, eu pude ver o crânio daquela onça, que Dona Carola, viúva de Benedito Leonel, guarda com carinho.

Examinando o crânio, constatei que tinha os dentes da frente pequenos demais, pareciam gastos, que as quatro presas ou caninos eram impressionantemente grandes, mas um deles estava quebrado. Se isto não aconteceu pela ação do tempo, seriam defeitos que fariam inábil a caça. Mas não deve ter sido assim, porque me lembro de ouvir meu pai contar, que quando abriram a barriga dela, encontraram um tatu que ela havia acabado de devorar. No alto do crânio há dois buracos feitos por tiros desferidos depois que a onça já estava morta. Em uma das fotos ela está deitada com as patas dianteiras estendidas para a frente e os membros traseiros confortavelmente aconchegados debaixo do corpanzil e a cabeça apoiada nas mãos. Parece viva, com autêntico sorriso que faz lembrar o sorriso do cachorro fiel, ao receber seu dono após demorada ausência...

Sebastiana Lourenço Secherini

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