A notícia chegava a cada canto da cidade, provocando a correria de centenas de curiosos ver aquela gente de estranhas roupas coloridas, com hábito secular de andar em grupos, carregados de bijuterias douradas nos braços e no pescoço, além dos filhos pendurados à tiracolo, procurando curiosos interessados em conhecer, pela linha das mãos, o que a sorte lhes havia reservado.
- Enormes barracas eram armadas, postes com lampiões eram colocados e de repente o acampamento oferecia bonito visual incrivelmente colorido.
- Lembro-me que, nada diferente de outros garotos, eu olhava de longe, maravilhado, mas com medo de me aproximar.
- Diziam que eles roubavam crianças, levavam embora, não sei prá onde.
- Ao anoitecer já se ouviam cantos e sons de violino, acompanhados de violões, acordeom e pandeiro.
- Não se entendia as histórias, cantadas numa língua bem estranha, mas as melodias eram chamativas e românticas.
- No outro dia, lá estavam os ciganos pelas ruas da cidade, vendendo panelas e tachos de um cobre martelado e muito reluzente, e as ciganas olhando a sorte à domicílio, ou vendendo grandes anéis e brincos por preço de ocasião.
- Estranho povo, apegado a velhas tradições, cultivam hábitos nômades, parecia transportar-nos para um mundo misterioso de doce romantismo.
- Alguns espertalhões às vezes apareciam entre eles. Certa vez uma notícia correu, como o vento, pela cidade:
Duas ciganas, propondo curar uma senhora, entraram em sua casa e foram até a cozinha. Uma delas, pegando lata de vinte litros, fez com que a dona da casa colocasse alí a cabeça e com leves batidas, dizia estar procedendo ao milagre da cura. Depois despediram-se e se foram sem nada cobrar.
Só depois de algum tempo a dona da casa notou que tinham levado toda a lingüiça do fumeiro, mas não se importou, pois era dona de grande coração.
- Lembro-me ainda que sempre chegavam a cavalo e em carroções cobertos de lona. Hoje os ciganos já são integrados à sociedade, estabelecidos como médicos, advogados, bancários, professores, artistas, motoristas e concentram-se em regiões de grandes cidades.
Existem milhões de ciganos ainda em nosso país, metade já integrada aos costumes de nossa sociedade e metade ainda apegada às velhas tradições.
Agora os ciganos estão empenhados no resgate de sua cultura, para as pessoas terem oportunidade de julgar honestamente, sem deturpar seu comportamento e estilo de vida. No século X os ciganos teriam chegado das índias Ocidentais (hoje Arábia, Turquia, Síria e Palestina), trazendo consigo costumes, hábitos e vocabulário da cultura grega. No século XV já estavam na Europa, onde sofreram discriminação e humilhação, um traço constante em sua história.
- Em Portugal, onde eram acusados de furto e feitiçaria, caíram na malha da Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício acabou mandando-os para o Brasil.
Começaram a chegar aqui em 1754 como degredados. Seguem ainda a conduta de seus antepassados, condenando o homossexualismo e pregando a virgindade até o casamento.
Os ciganos criam dialetos para dificultar a compreensão e cultuam sobretudo a aura de mistério e misticismo que os envolveu há séculos.
Os ciganos são alegres, românticos, maravilhosos; lembro-me com saudade quando chegavam invadindo nossa cidade.
Deles... minha cabecinha de menino vivia cheia de histórias de que até hoje me lembro e gosto de contar.
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