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Na margem esquerda do Mogi, escolhida a encosta do vale mais livre das enchentes periódicas, lançou-se o lineamento da futura cidade, a partir de um quadrado, com Igreja e jardim.
Era a Praça, de onde se irradiariam com precisa orientação Norte-Sul, Leste-Oeste, na sua incipiente e modesta geometria, as ruas não muito largas, com rara exceção.
O Jardim, nos seus primórdios, todo cercado e com portões de ferro que eram fechados à noite, pelas 22 horas foi, posteriormente, objeto de novo traçado e aberto sob as visitas de João Teixeira e Syrio Ignatios, por ocasião do Cinqüentenário.
A Igreja, de estrutura simples, comprida, com imponente campanário, apontava para o Nascente e se abria para a larga Rua São Sebastião, recebendo a luminosidade solar até quase o Altar.
Ao lado, uma pequena edícula de alvenaria para concorridos leilões de iguarias, nas festas do Padroeiro, sob a batuta e a vóz forte de Antonio Elias e outros animadores, prestava-se, também, para abrigo contra as chuvas e recinto para algazarra das crianças no seu ledo encanto de vida!
Igreja e Jardim - PRAÇA NOBRE - se completavam acolhendo seus habitantes aos domingos e dias festivos, sob o forte bimbalhar dos sinos, cujo som repercutia e ecoava pelo vale... Era o sineiro que chamava os fiéis para o culto da Fé. Na sua indumentária domingueira, homens e mulheres, velhos e jovens, alguns disciplinados às suas Irmandades: "Apostolado", de escuro, e "Filhas de Maria", de branco, acorriam pressurosos às cerimônias religiosas, ainda na época do Cantocho e da Liturgia em Latim, tão bonitos quanto difíceis de entender. Acompanham-nos, ainda hoje, a musicalidade ambiental e o momento da Benção anunciado pelo sineiro!
O Jardim, recendendo a perfume do arvoredo, ostentava o Coreto da nossa tradicional Corporação Musical "Santa Cecília", sob a regência de hábeis maestros, de que temos Tuta na beleza dos dobrados e na precisa execução das partituras, transportando-nos aos versos de Chico Buarque:
"Estava à toa na vida,
O meu amor me chamou
Prá ver a banda passar,
Cantando coisas de amor"
Minha família morava atrás da Igreja, em excelente ponto de observação, de onde se apreciava o imponente quadro... "quando a banda passava, alegrando a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim", daquela vida provinciana de cidade de comércio e indústria florescentes, centro de comunicação geográfica do Estado.
Nas noites costumeiramente silenciosas, serenatas levavam às famílias o romantismo das músicas de Dino Iatauro, ao saxofone, de Mário Frattini, ao violino, e alguns "virtuoses" do violão.
Algumas datas se assinalavam em popularidade, como 13 de maio, com Maria Quitéria, remanescente da escravatura que, ao redor de fogueira, cultuava suas entidades Ogum e Iemanjá, ao som de atabaque; festas Juninas do João Salgueiro e dona. Laura, com a casa franqueada para o "quentão", a pipoca e bolos sob o espocar de bombinhas e rastejar de "busca-pés".
Vida pacata. Costumavam muitos, à tardinha, preparar ou armar "covos" para apanhar peixes na manhã seguinte; outros, eram pescadores com caniços e fieiras de peixes, para a alternativa alimentar da época.
Era assim na passagem do Cinqüentenário. Muitas facetas e quadros foram analisados pelo brilhante pesquisador Flávio da Silva Oliveira, cuja esposa, gentilmente, me presenteou com luxuoso volume dos feitos e fatos da nossa gente.
Entretanto, deparamos, hoje, no Centenário, o efeito do progresso, muitas vezes, indisciplinado, bem como a influência dos meios de comunicação, provocando acentuada mudança nos costumes e nos hábitos, com registros indesejáveis no campo da criminalidade.
Na década de 50, demoliu-se a velha Igreja e, no seu lugar, sob o bafejo de benfeitores, outra surgiu, mas com frente Norte, achatada, construída de alvenaria fina com acabamento de madeira extraída, por doação, da "Mata do Procópio" hoje reserva florestal e pulmões da cidade. Arquitetura admirável, interior discreto, com afrescos de artistas italianos.
Sua liturgia mudou. O Português é a comunicação e o coral se confunde com instrumentos populares...
A Praça continuidade da Igreja era interditada nas festas e nos domingos para gáudio da população e da gurizada, ao amparo do lazer amplo e seguro. Até um bem cuidado canteiro de rosas havia; atualmente desaparecido ou depredado como o foi o nosso Coreto pelo vandalismo cruel. Também o Bloco do Boi, tão cuidado e admirado, vem sendo nos dias de hoje motivo de brutalidade e de algum desgosto...
O ambiente atual, de progresso indisciplinado, na cultura, na arte, na indústria e no comércio, retrata quadro de admiração e de espanto muita vez. Semão vejamos:
As máquinas invadiram a Praça, as ruas, as calçadas, chegando, em algumas ocasiões, a impedir o livre trânsito dos próprios moradores. Automóveis novos e velhos, estes em boa parte, carentes de sérias revisões vêm, nos fins de semana, perturbando o sossego público e a segurança de todos. O som de seus motores associado aos roncos ensurdecedores das motos, cortam a cidade, a Praça, o Hospital, acompanhados de veículos que ostentam velocidade acima de 80, até altas horas da noite, adentrando a madrugada.
O ponto crítico das demonstrações com circuito de carros que duram até cinco horas, são as ruas centrais, onde se encontra o nosso Hospital, cujos pacientes não têm a quem reclamar. Pobres pacientes, que se curvam ao entusiasmo e à impulsividade dos "teens" e gente mais velha também, num esporte ou diverso que polui o ambiente, sufoca os habitantes. Doenças respiratórias e "stress" se acentuam afetando, sem dúvida, a acuidade auditiva.
As ruas circundantes do Hospital reclamam obstáculos (redutores de velocidade).
A Praça é um "oásis" cercado de estacionamento por todos os lados. Sente-se a agressão ao "ecossistema" com a explosão urbana e ausência de espaço.
Um dos ítens básicos de Plano Diretor: o Adensamento populacional vem desafiando a Administração.
Expandiu-se a área urbana e, nos bairros novos, as ruas não têm placas indicativas. Serviços e instituições se instalaram no âmbito da cidade Praça de Esportes e Sociedade Hípica Ferreirense, sem se conseguir atacar a restauração de prédios em degradação da FEPASA.
A vasta área da antiga Companhia Paulista, poderia, quiçá, ser aproveitada para algum plano de "Cinturão Verde" Hortaliças que viria beneficiar o povo.
É verdade que a superurbanização, provocada pelo despovoamento rural, acarretou a atração pela cidade, onde a assistência social aos trabalhadores migrantes sempre se evidencia, amenizando o efeito desespero, o desequilíbrio familiar, mas pressionando a infraestrutura e os serviços urbanos.
É barreira para uma boa aculturação. "O tempora! O mores" proclamava o notável orador Cicero no Senado Romano, faz 2.000 anos.
É evidente a agressão ao ecossistema com a poluição sonora, aérea e das águas, estas atingidas pelo restilo das usinas e resíduos das indústrias a montante do Mogi, acarretando na área do município problema correlato-a destruição da vegetação ciliar indispensável à fauna aquática e à preservação contra a erosão do solo.
Em que pesem estes comentários, quero registrar, nesta oportunidade, minha esperança no vigor da juventude, que tudo pode produzir, como cerne dos grandes movimentos pátrios em todos os campos e que terá forças e inteligência para ocupar novos espaços e encontre fugas para seus ideais.
As últimas Administrações vêm procurando corrigir alguns males oriundos do Progresso, cujo preço é incalculável.
Desejo êxito aos nossos Governantes no limiar do século 21.
Geraldo Caprioglio
Maio/95
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