"Orestes, empolguei-me com o assunto da nossa última conversa.
Como lhe disse na semana passada, gostava de fazer excursões com a criançada e para isso sempre contei com a dedicação de meus caros colegas e auxiliares.
Já disse, uma vez, nesta coluna: graças a Deus, fui muito feliz no magistério. Muito mesmo.
Dos meus quarenta e seis anos de magistério (quarenta e cinco na direção), não posso dizer onde fui mais feliz: se em Rancharia, se em Olímpia, ou na minha terra natal, Porto Ferreira.
Vou apresentar uma pequena amostra de um quadro de excursão que o Grupo Escolar Cel. Tobias, de Descalvado, fez ao nosso estabelecimento em junho de 1954, em paga à visita que fizemos àquela casa de ensino, em 1953.
Procuramos (eu e meus colegas) organizar uma recepção que, ao menos, igualasse àquela que eles nos proporcionaram, que, diga-se de passagem, foi maravilhosa! Essa gente de Descalvado!...
E dos diversos números apresentados foi feito um "desafio de viola", por um aluno de Porto Ferreira e um de Descalvado. Não me recordo o nome do autor do desafio".
Foi o seguinte:
"O DESAFIO
"Ora! Veja só...Quem haverá de dizê, que eu fosse encontrá cum vancê. Quem véve sempre aparece. Cumo vai compade? E a famía? Será que vancê baxô nargum balão cumpade?
- Quar balão, quar nada cumpade, eu vim cuéssa gentarada aí. Tava tão assussegado lá no Belém e inquanto não mi ponharo no trem de ferro não assussegaro.
- Pur falá no Belém, cumpadre, como vai tudo aquilo lá? Eu tenho que preguntá, pruquê agora o Porto engordeceu, enlargueceu, qui nem da tempu deu conhecê ele, imagine então o Belém.
- Enlargueceu cumpadre? foi issu que vancê falô? Ele era um tico!
- E tem cada cantadô bão...Pur falá nisso vancê também é bão num desafio, que me alembrei agora. Vamu cantá?
- Quar cumpade, eu não sei mesmo cantá, não mi deixe invergonhadu...
- Quá o quê cumpadre, nóis dois se arremedeia vamo falá o que é verdade, vamo mostrá pressa gente, que nóis sêmo mêmo quarqué coisa.
- Já que vancê inséste cumpadre, o que nóis vai desafina?
- Ará! Ará!... um desafio, mórdi adverti o povo.
- É mêmo, eu sô de lá, vancê é de cá. Vamu puxá a brasa, quem pudé mais, ássa a sardinha.
- Então vamu cumpadre. Dá o tão dó.
- Pronto cumpadre.
(os dois cantam)
Meus póvos e minhas póvas
Agora vamu cantá,
Se saí arguma besteira
Pidimo não arrepará
(O de Descalvado canta)
- Este é o cumpade Bérto
Aqui de Porto Ferreira,
ta caboco duro
Da boca só sai bestera.
(O de Porto Ferreira responde)
- Presento o cumpade Pedro
Cabra bem escalado,
Pessoá! Assegure ele
Ele é de Discalvado.
- Vancê me achingô de cabra
Mais issu não é desacato,
Eu moro no Discalvado
Vancê é bicho do mato.
- Virge Nossa Senhora!
Nunca vi tanta asnêra,
Vancêis que num abra os óio
Que perde inté a frontera.
- Na fronteira de Discalvado
Quá! Vancêis num chega não,
Do mato só sai índio
Nunca vi saí Sansão
- Cumpade, preste atenção
No quê eu vô lhe avisá,
O cabelo do teu Sansão ô! ô! ô!
É o índio que vai podá.
- Vancêis num póde cum nóis
Sêmo mêmo os maiorá,
Nóis já temo inté ginásio
Tamém escola normá.
- Cumpade óia prá lá
Vancê vê a profissioná,
Prá cima o grupo novo
E o ginásio já vem já.
- Prá quê índio qué ginásio
Vancê tá fazeno fita,
Acho mió arranjá
Uma fábrica de jesuíta.
- Cumpade falano em fábrica
Vancê me alembrô,
Vindo de Discalvado,
No que vancê trupicô.
- Uaí! Trupiquei mêmo cumpade
Mais foi lá no Discalvado,
Nas fábrica de tecidu
Que lá dá em tudo lado.
- Cumpade fala a verdade
Não foi vêno os tecidu,
Vancê machucô o nariz
Foi nargum caco de vidro.
- Cumpade inté tenho dó
Tua língua é de trapo,
Perciso chamá o dotô
Pra te operá du papo.
- Si vancê qui é papo
Vai vancê mêmo vê,
Fiação, fábrica de louça,
Porcelana e a Nestlé.
- Cumpade vai aproveitano
Que a mamata vai acabá,
Vancêis vão emagrecê tanto
Vão vortá pro mêmo lugá.
- Inveja é coisa feia
É isso que vancê tem,
Mas bem que vancê queria
Tudo isso prô Belém.
- Nóis tem uma cosa lá
Que foi inté no Maracana
A nossa Cida Cardoso
Jogadora campiã
- Tá certo vancêis tem a Cida.
Ela não é poca porcaria,
Mais prá vencê vancêis percisa
Da Nicéia e da Maria
- Elas tão mêmo sobrano
Aqui não tem jogo não,
Vancêis estão carecendo
Mais um pôco de inducação.
- Vancê tá me ofendeno
Pruquê falei as verdades,
Inducação temo de sóbra
Inté prá te dá metade.
- Metade du quê cumpade
Vancê tá me ofereceno?
Só si fô de maleita
Que vancêis véve tremeno.
- Cumpade nóis sêmo amigo
É mió não continuá,
Pruque essa brincadeira
Vai fazê nóis briga.
- O fogo tá apagano mêmo
Vamo prestá atenção,
Vamo largá de briga
E festejá junto o São João.
(Os dois cantam)
Cumpade nóis sêmo amigo
Temo ou não temo razão,
Purisso vamo trabaiá
Cô Brasil no coração."
Gostou Orestes?
transcrito do "Jornal do Porto" 17-12-1983
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