- Que idade tem o menino?

- Esse aí tem uns quinze anos e é franzininho assim porque foi muito doente... Agora tá arribando um pouco.

O garoto de olheiras fundas e barriguinha encardida parecia tudo ouvir, sem dar importância à conversa.

Aparentava metade da idade, mas tinha no rosto as marcas de quem já estava cansado de viver.

- Onde está seu marido?

- Foi pro roçado há coisa de mais de hora, mais logo ele volta respondeu, chutando o vira-latas que procurava abrigo entre suas pernas de pele grosseira, mal cobertas por vestido surrado que mostrava toda miséria.

- Que é que o sinhó tá querendo de nóis? Continuou sem medir as palavras, na mais pura inocência.

- Sou recenseador!

- Que é que nóis tem com isso, seu moço?

- Depois eu explico ao seu marido, mas fique sossegada que não tem nada de mal. Está tudo bem. Nós só queremos contar quanta gente tem nesse nosso Brasil tão imenso.

- Vai sê uma trabaiera dos infernos o sinhô contá todo mundo; já pensô quanto vai tê que andá?

- Não... não é assim; São muitas pessoas treinadas em todo país e o trabalho é bem dividido.

- Inda bem, assim vai dá certo. Confirmou balançando a cabeça, depois de tirar uma baforada do pito cascorento e cuspir quase na ponta do pé descalço que pisava o chão de terra batida.

- O Tonho tá demorando. Também com a desgracera que aconteceu, não é prá menos.

- Que foi que houve? perguntou o recenseador.

- O gado entrou no roçado e cabou com a metade do mio e do feijão, logo esse ano que ia tão bem. Num adiantou nada a promessa.

- Que promessa foi essa, minha senhora?

- É... o Tonho pidiu prô Santo protetor, uma coieta mais grande e foi uma beleza, mais no fim, metade foi perdida. Quer dizer; quem perdeu mesmo foi o Santo, que ia arrecebê sua parte em dinheiro.

- O Tonho ia colocá lá no altar no dia da procissão.

- Mas não entendo, retrucou abismado o moço, que nada estava entendo. Vocês podem vender tudo e dar a metade para pagar a promessa.

- Acontece que só sobrou nossa parte. Sobrou justamente a quantia que nóis sempre tá acostumado a coiê sem pedi ajuda de ninguém. O gado comeu só a parte do Santo!